quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Os lençóis não enganam. Cheira-me ao teu perfume que fizeste questão de colocar em abundância para que não me esquecesse de que por aqui passaste. Não sei mais nada de ti, nem nada que diga respeito à tua existência desde então. Sumiste e contigo levaste parte de mim, que sugaste naqueles tempos em que existiu um nós. Os nossos sorrisos, eternas crianças. Sabia de cor o sabor do nosso cigarro. Aliás, sei de cor o teu perfume, sei de cor o teu sorriso, as tuas expressões, a tua letra, as tuas cores. Sei-te a ti, de cor. Apesar de tudo, nunca quiseste que o soubesse, sempre te quiseste a ti. Castidade santa, pureza quase intocável. Sabendo tudo, que tudo o que fomos se resumiu a uns tempos, umas trocas de corpos, uns ilusões de toques. Quiseste-te a ti e à tua felicidade já criada. Preferiste isso e eu continuo aqui, querendo-te. Mas jamais serei tua, jamais. Porque fingiste que não era tua, criando assim a maior mágoa que alguma vez poderia ter sentido. Foste e és a dor que rojarei no chão, que entalarei nos trilhos dos ferros que trespassam a valeta esburacada. Quiseste-o ser, tornaste-te assim e fizeste-te pó no meio da multidão.

Dizia-se amor

    E mais um dia passou. Sem ti, sem nós, sem o nosso sabor, sem tudo. Restos do "tudo" que ficaram, que alimentaram o vazio do silêncio que nós próprios criámos. Como tudo, tudo passa. As oportunidades perdem-se e os momentos morrem. E como tudo, nós morremos também. São nós desfeitos, são olhares conformados e palavras que não conseguem descrever nada do que queremos. É uma voz muda que nos une, que no fundo diz tudo, que no fundo diz o nada que ambos precisamos de tomar consciência. Profundas crianças que nos transformamos porque no chão da calçada se escreve tudo o que privámos de ser dito. Aí, nada incomoda, nada critica, nada mente, nada atraiçoa nada. Somos apenas um monte de palavras que ficaram por dizer, quais oportunidades que deixamos fugir, só para que tudo ficasse bem. E no fim de tudo, o que restou foi um nada tão vazio que até o mais pequeno barulho incomoda. Roemos o tempo e fingimos ser o que devemos ser para que o Mundo fique melhor, para que o todo se complete. São frases vindas d'outros tempos, abraços e sorrisos que nos unem mas que nos destroem em pensamento. E porquê? Porque perdemos tempo em todas as folhas de um diário? Foram nossos os dias plenos, as manhãs partilhadas, aquelas tempestades que só nos uniam. Sugaste a pele, a alma, cravaste em mim cada beata por ti queimada, cada espinha que te roía a mente. Fui o teu corpo, a tua pessoa, fui a tua vida porque em mim depositaste mais que o permitido, porque de mim fizeste o teu espelho. Desenhaste em mim a nossa história e tão depressa a escreveste como a desfizeste. Acorrentaste-me e com isso levaste tudo o que ainda podia ficar. Fizemos frente ao tempo e pintamos o nosso quadro da cor mais perfeita. Esvaziámos a sala só para ficarmos sozinhos no tempo, num tempo que foi só nosso momentaneamente, por muito que não queiras aceitar. Foram trocas de palavras bonitas que ainda se arrastam no chão para o qual já não olhamos. Quantos risos nos pertenceram, quantos segredos ficaram entre as nossas coisas. Mas perdemos. Foi nosso tudo o que queríamos e tudo o que queríamos deixámos fugir. Porque «é o melhor».
   Amo-te.